nós de voz
espectáculo de dança, música e palavra com a participação de habitantes do cercal
2021


“Entramos na vila do cercal através das histórias que nos contam os seus habitantes. Um novelo de vozes e corpos que se entrelaçam a partir do encontro entre quem chega de fora e quem aqui pertence. Seis artistas de dança, música e teatro juntam as suas práticas com adultos, adolescentes e crianças para inventar um ritual comum. O Cercal é uma vila de contadores de histórias. As receitas de pataniscas, exploração mineira, a banda filarmónica e os amanhadores são chaves para o seu interior. Criamos uma ficção, partindo da realidade que ouvimos, contada por momentos e grupos de pessoas ao longo da vila. Nós de Voz é um movimento para vários tempos. Invocamos o passado do Cercal, longínquo e recente, como porta de entrada para o futuro que desejamos: o regresso à terra pela mão de um rapaz, a dança contemporânea que dá forma ao sentir do cante alentejano, a receita de gaspacho a lembrar os tempos árabes deste território, o trabalho de mineiros que devolvem as pedras à montanha.”









direcção artística RICARDO MACHADO / direcção musical PEDRO SALVADOR / texto e apoio à dramaturgia MATILDE REAL / interpretação e co-criação ANTÓNIO TORRES, GIL MAC, INÊS MELO SOUSA, MATILDE REAL, PEDRO SALVADOR, RICARDO MACHADO / participação GRUPO CORAL DA CASA DO POVO DO CERCAL, BANDA FILARMÓNICA LIRA CERCALENSE, LARA GODINHO, FILIPE LUZ, CAROLINA LUZ, MARIA ALICE DA LUZ, JOSÉ MANUEL DA LUZ, ZITO VILHANA, ANDRÉ SILVA, ADRIANA MATOS, DIOGO NAIA, ISAAC SANTOS, DIOGO MARTINS SILVA / criação e confecção de pataniscas e gaspacho SOFIA RAPOSO / modista EDITE RAMOS / uma produção LAVRAR O MAR COOPERATIVA CULTURAL / produção executiva RÉMI GALLET e CAROLINA RIBEIRO /direcção técnica JOAQUIM MADAÍL / vídeo THOMAS ORTEGAT / fotografia JOÃO MARIANO 




 



“Não costumo mostrar os meus pulmões a muita gente. A entrada é por aqui. Os mineiros explodem a pele e escavam um túnel para a esquerda, outro para a direita. No meio, abrem o tecto e sobem com cordas. Voltam a fazer túneis, um para a esquerda, outro para a direita, e sobem com cordas, e abrem outro andar: esquerda e direita. Vão subindo e escavando entre as costelas. Cá em cima, rompem um buraco por onde circula o ar. Escavam, escavam e as pedras vão caindo pelo interior do externo. Quando as vi sair pela primeira vez, descobri que eu era feita de ferro. Esvaziaram-me e no lugar da voz deixaram cordas e carris. Pegaram no meu interior e levaram-no para muito longe. Espalharam-no pelo mundo e construíram pontes e estátuas silenciosas. A montanha já não vive aqui. Foi levada para a cidade. Agora restam pulmões por baixo de folhas secas, alguns pratos, garfos e muito pó. Se me virassem do avesso e a minha escuridão saísse, veriam as lascas e ângulos por onde passa a respiração. Aqui dentro há uma queda a qualquer momento. Há túneis e fossos onde cabem pontes. Hoje é a noite em que as paredes acordam. Chamamos as pedras para dentro da boca, contamos as que entram, até se preencher cada buraco da nossa voz. Atravessamos os túneis e colocamos de novo as pedras duras no chão duro, e o nosso interior fica sólido como as palavras. Pedra por pedra, palavra por palavra, devolvemos a montanha ao seu lugar.”







(...)
pedra cava
pedra tira
pedra vai
pedra cai 
pedra chão
pedra corta 
pedra mão
pedra sim
pedra não 
pedra sim 
pedra não

pedra casa
pedra chão
pedra lama
pedra pão
pedra pó
pedra pó
pedra pó pó pó 
pouca pedra
pouca pedra
pouca pedra
(...)